Conselho Nacional Popular LGBTI participa de audiência pública e defende o combate à LGBTfobia

Projeção do Dia Internacional do Orgulho LGBTI, em 28/6/20, no Congresso Nacional.
Foto: Agência Câmara de Notícias

Conselho Nacional Popular LGBTI participa de audiência pública e defende o combate à LGBTfobia

O Conselho cobrou justiça para o assassinato do Jovem Sem Terra Lindolfo Kosmaski, vítima de homofobia, no Paraná

Por Solange Engelmann*

Na semana que marca o Dia Internacional de luta contra a LGBTfobia (17 de maio) e integrando as ações do Maio da Diversidade, nesta quarta-feira (19/05), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CMDH) da Câmara dos Deputados realizou audiência pública para debater o combate à LGBTfobia e propor ações.

A audiência atendeu ao requerimento do deputado federal e presidente da comissão, Carlos Veras (PT-PE) e subscrito pelas deputadas Rosa Neide (PT-MT), Sâmia Bonfim (Psol-SP) e Vivi Reis (Psol-PA). Carlos Veras relembrou que em 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou atos LGBTfóbicos ao concluir o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF, determinando seu enquadramento como crime de racismo, de acordo com a Lei nº 7716/89 até a promulgação de uma lei específica para criminalização desta conduta pelo Congresso Nacional.

“O STF criminalizou atos LGBTfobicos, isso foi um grande avanço para o reconhecimento da plena dignidade de todos os seres humanos no Brasil. Independente de sua identidade de gênero ou de sua orientação sexual, mas ainda temos muito que avançar, seja em políticas para efetivação desta lei, seja em políticas para promoção da plena igualdade e cidadania das pessoas LGBTQIA+ [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Intersexos, Assexuais e outras identidades e expressões]. A audiência pública de hoje é um espaço para afirmação da cidadania LGBTQIA+ e também para discutirmos propostas de ações concretas que  possamos adotar no âmbito desta comissão e do parlamento para efetivação dos direitos humanos de todos e todas”, ressaltou o presidente da Comissão.

Justiça para Lindolfo

A audiência contou com a participação do representante do Coletivo LGBT Sem Terra do MST e do Conselho Nacional Popular LGBTI, Alessandro Mariano, que chamou atenção para importância da sessão da CDHM na semana do 17 de maio, dia de luta contra a LGBTfobia, além de denunciar e cobrar justiça por Lindolfo Kosmaski, jovem Sem Terra assassinado no último dia 1º de maio, vítima de homofobia, no Paraná.

“Esse mês de maio, um mês de luta contra a LGBTfobia, no dia 1º houve o assassinato de Lindolfo Kosmaski, gay, camponês, professor, militante do MST, com 25 anos. Ele foi assassinado de forma brutal, teve seu corpo amarrado e queimado no seu carro. Encontraram ele no meio de uma plantação de pinus, próximo a comunidade onde residia. Lindolfo é um símbolo que hoje entra pras estatísticas de crime de LGBTfobia, de crime de ódio, que infelizmente perde a vida. Queremos justiça por Lindolfo e por todos os LGBTs assassinados”, defendeu.

Alessandro Mariano, do Coletivo LGBT Sem Terra do MST e do Conselho Nacional Popular LGBTI.
Imagem: Câmara dos Deputados

Alessandro solicitou aos parlamentares o compromisso de se seguirem firmes na defesa da LGBTQIA+ buscando desenvolver políticas públicas para combater as violências, e a garantia de vida dessas populações, com direitos e dignidade. E falou das ações realizadas pelo Conselho Nacional Popular LGBTI+ no 17M, pela vida das LGBTQIA+, vacina e trabalho.

“Afirmamos a vida porque tem aumentado a violência e assassinatos por LBGTfobia; por vacina, porque é necessário acelerar o processo de vacinação pra cessar a contaminação da Covid-19; e por trabalho, porque o desemprego e a fome tem nos atingido se faz necessário o auxílio emergencial de 600 reais; e emprego, acesso à terra, moradia para que possamos seguir vivas”, argumentou. Ele pontou que mesmo vivendo em um período difícil, com a perda de companheiros de luta, é preciso seguir acreditando na humanidade, mantendo a esperança e lutar para que as existências das da LGBTQIA+ sejam asseguradas pelo Estado brasileiro.

Criminalização da homofobia

Para a presidente da Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Symmy Larrat, que também integra o Conselho Nacional Popular LGBTI, o legislativo brasileiro tem sido omisso em colocar em prática a criminalização da homofobia, aprovada pelo STF.

“O legislativo brasileiro é omissão, porque não tem legislações que protejam as nossas vidas, que não tem legislação que promovam a nossa cidadania, diferente de outros países da América Latina, que possuem pelo menos uma legislação para nossa população. Seja de combate à violência, seja da promoção dos nossos direitos de cidadania. Enquanto esse legislativo não cumpre com seu dever de casa, esta violência da homofobia e da transfobia, que são entendidas pelo STF como crimes, tem que ser abarcadas na lei do racismo.”

Nesse sentido, Symmy denuncia que nem o Ministério da Justiça, nem os estados, tem adotado a lei para garantir o protocolo de registro de crimes motivados por homofobia ou transfobia, “o que faz com que haja um completo apagamento dessas violências. Faltam dados, e o pior de tudo, um sentimento de impunidade que faz que a gente continue sendo perseguida, assassinada e violada nos nossos direitos diariamente.”

Symmy Larrat, presidente da ABGLT. Imagem: Câmara dos Deputados

Diante da morosidade na tramitação das legislações propositivas para população LGBTQIA+, a presidente da ABGLT pediu à Comissão atenção aos projetos de lei que buscam retirar direitos dessas populações e ações juntos ao Ministério da Justiça e dos estados quanto ao cumprimento da criminalizou de atos LGBTfóbicos, aprovado em 2019 pelo STF.

“Apelamos pra essa comissão duas coisas: um olhar atento as legislações, que querem retirar direitos pra que a gente evite tramitações nessa casa, porque a gente sabe que a imensa maioria conservadora e a base do governo, tem muita sede em aprová-la. E que esta Comissão oficie o Ministério da Justiça e as unidades da federação pra que promovam orientações e normativas que facilitem que a decisão do STF seja posta em prática.”

Omissão do Estado e institucionalização da LGBTfobia

Na mesma linha, a representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides denunciou o Estado brasileiro pela omissão e as tentativas de institucionalização da LGBTfobia, com apresentação de projetos que pretendem perpetuar estigmas negativos e criminalizar a existência das pessoas LGBTQIA+ no país e a falta de ações específicas para enfrentar a violência contra essa população.

“Nós estamos sendo assassinados e assassinadas ou deixados e deixadas para morrer e ainda tendo os nossos corpos direcionados pela violência e pelos discursos de representantes do Estado, que tem assumido uma postura LGBTIfobica pública, sem nenhum tipo de pudor ou sem que nós consigamos fazer com que essas pessoas sejam responsabilizadas. O estado brasileiro fere diariamente os tratados internacionais dos quais é signatário, com relação à proteção de pessoas LGBTI”. 

Ela também chamou atenção para a falta de políticas públicas por parte do Estado e da dificuldade de acesso as políticas existentes a esse público. “Temos diversas dificuldades de acesso à políticas públicas instituídas. O que coloca um paradoxo entre termos avançados em alguns campos, mas a gente ter a invisibilidade e a dificuldade de acesso pela maior parte da nossa população, especialmente àquela que é a população LGBTI negra, periférica, das favelas do interior do país, pessoas Sem Terra, indígenas travestis e outras pessoas que compõem a nossa comunidade”, afirma.

Bruna Benevides da Antra. Imagem: Câmara dos Deputados

Segundo Bruna, com o aumento no último período da representação no cenário político institucional e a eleição de pessoas LGBTI em 2020, também tem se registrado um aumento da violência política a grande parte desse população eleita, especialmente no caso de mulheres trans e travestis negras, que alegam não se sentirem seguras no exercício do seu cargo. Ela citou o caso da vereadora Benny Briolly [de Niterói, pelo Psol – a primeira vereadora transexual a assumir um mandado na Câmara Municipal da Cidade], que teve que sair do país devido a violência de ameaças e a falta de proteção.

Janaína Oliveira, representante da Rede Afro LGBT, explicou que além dos cortes de gastos pela Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o teto de gastos após o golpe de 2016, com o governo Bolsonaro o obscurantismo e o pré-conceito passam a fazer parte das políticas públicas e dos posicionamentos de autoridades e gestores federais estabelecendo a discriminação e a exclusão das populações negras, indígenas, marginalizados e LGBTQIA+.

“A gente passa a ter menos representação e nenhuma interlocução, mas no acesso a qualquer segmento social o estado é fundamental. A implementação de políticas específicas também é necessária, como vivemos em governo anteriores a chama participação social, e que a gente tinha as conferências nacionais e um Conselho Nacional de combate a discriminação LGBT. Nesses primeiros anos do governo Bolsonaro o fechamento do governo em relação à população LGBT tem sido uma diretriz, com a extinção de instâncias, de representação e de execução de políticas públicas.”

Janaína Oliveira da Rede Afro LGBT. Imagem: Câmara dos Deputados

Segundo ela, ao extinguir o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), por meio do Decreto nº 9.759 de 11 de abril de 2019, o governo Bolsonaro diminui o controle da sociedade e a participação social na gestão pública, estabelecendo um novo marco de nenhum diálogo com o movimento social organizado. Assim, Janaina aponta que, na direção oposta ao combate a discriminação e a desigualdade, o Bolsonaro desenvolve ações e políticas que aprofundam a exclusão e discriminação da população LGBT.

“Bolsonaro proibiu o uso de expressões da comunidade LGBTI+ em qualquer publicidade de órgãos da administração pública, empresas públicas e autarquias. O plano nacional de turismo 2018-2022, exclui o incentivo ao turismo LGBTI+. A partir de junho de 2019 torna-se público a orientação do governo brasileiro ao veto do termo gênero, em resoluções da ONU e em abstenção em materiais sobre saúde sexual e reprodutiva. No 15 de agosto de 2019, Bolsonaro declarou que projetos como certos temas, negros, LGBTI+ e prostituição não seriam mais aprovados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), para captar recursos por meio da lei audiovisual. Em 14 de dezembro de 2019 foi emitido uma nota técnica da equipe encarregada para inspecionar o banco de item para prova do Enem vetando 66 itens, pela primeira vez em dez anos a prova deixou de fora o tema a ditadura militar e não tratou do temas dos direitos da população LGBTI+”, denuncia Janaina sobre alguns do retrocessos.

A representante da Rede Afro LGBT ressaltou ainda, que a entidade mapeou uma série de retrocessos desse governo, em relação à população LGBT e negra, que irá encaminhar à Comissão e cobrou a responsabilidade do Estado com a vida de toda a população. “Há uma tentativa não só de estimular o discurso de ódio contra essa população, mas também, e principalmente, fazer de nós uma bandeira de ódio. Negar a nossa existência é negar nosso direito à vida, negar a covid-19 é negar o direito à vida. O estado precisa ter responsabilidade com todos/as e todes”, conclui Janaina.

Também participaram da audiência como convidados, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena Coelho; presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz e o representante da Articulação Brasileira de Gays, Felipe Santos.

*Solange é jornalista e integrante do Setor de Comunicação do MST. 


🎦Assista a Comissão de Direitos Humanos combate à LGBTfobia neste link.


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